segunda-feira, 27 de abril de 2009

CRÔNICA DA SEMANA

UM DIA AINDA VAMOS RIR DE TUDO ISSO

De tempos em tempos, circula na Internet uma sentença que teria sido proferida no ano de 1833, no município de Porto da Folha, estado de Sergipe, em um caso de estupro. Na tal sentença, foi imposta a seguinte pena ao acusado: “Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malifícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete”.

Não sei se o caso é verídico, pois nesta época já estava em vigor o Código Criminal do Império e este tipo de pena não era previsto. Bom, verdade ou não, só de imaginar a execução da pena me causa arrepios.
Falando sério, no Código Civil de 1916, que vigorou até 2002, constava o seguinte artigo:
“Art. 178. Prescreve:
§ 1º Em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio contraído com mulher já deflorada.”

Traduzindo: o marido tinha dez dias para ingressar com a Ação de Anulação de Casamento, contados desde a data do casamento, caso descobrisse que sua mulher não fosse mais virgem. É verdade. Era assim mesmo. Hoje pode parecer engraçado e curioso, mas para as mulheres significava uma tremenda falta de respeito à sua dignidade e à sua liberdade.
Até 2005, no Código Penal Brasileiro, que é o Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940, existiam alguns dispositivos absurdos com relação às mulheres. O crime de posse sexual mediante fraude (art. 215), por exemplo, tinha a seguinte definição: “ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude”. Da mesma forma, o crime de atentado ao pudor mediante fraude (art. 216), até 2005, tinha a seguinte definição: “induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.” Parece brincadeira, mas é verdade: a vítima de tais crimes sexuais era a “mulher honesta”. Aquelas que não fossem honestas, portanto, não poderiam ser vítimas de posse sexual mediante fraude ou de atentado ao pudor mediante fraude. Esses crimes ainda estão previstos no atual Código Penal, que é o mesmo de 1940, mas uma Lei de 2005 (Lei 11.106/05) retirou a expressão “mulher honesta”.
Mas o sistema de penas no Brasil já foi bem pior. O Código Criminal do Império, de 1830, por exemplo, estabelecia as penas de morte na forca, pena de galés, pena de prisão com trabalho, banimento, degredo, desterro e açoutes. No caso do enforcamento, por exemplo, dispunha o código:
“o réu com o seu vestido ordinario, e preso, será conduzido pelas ruas mais publicas até á forca, acompanhado do Juiz Criminal do lugar, aonde estiver, com o seu Escrivão, e da força militar, que se requisitar. Os corpos dos enforcados serão entregues a seus parentes, ou amigos, se os pedirem aos Juizes, que presidirem á execução; mas não poderão enterral-os com pompa, sob pena de prisão por um mez á um anno”.
Neste mesmo código, o crime de estupro era tratado assim:
Art. 219. Deflorar mulher virgem, menor de dezasete annos.
Penas - de desterro para fóra da comarca, em que residir a deflorada, por um a tres annos, e de dotar a esta.
Seguindo-se o casamento, não terão lugar as penas.
Da mesma forma ocorria em outros crimes contra a liberdade sexual das mulheres do império: o homem que aceitasse se casar com a ofendida ficava livre da pena. O casamento salvava a honra das mulheres violentadas! Era um favor do criminoso à sua vítima!
Durante o Império, o Código Criminal foi reformado pela última vez em 1886, dois anos antes da abolição, quando foi extinta a pena de “açoutes”.
O Código Penal que conhecemos hoje é o Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940, com várias pequenas reformas, assinado por Francisco Campos e Getúlio Vargas. Este código está dividido em parte geral e parte especial e tem 361 artigos. A parte geral cuida da definição das penas, da aplicação as penas, da imputabilidade, da ação penal da extinção da punibilidade e outros conceitos e fundamentos. A parte especial define os crimes contra a pessoa, contra o patrimônio, contra os costumes, contra a família etc.
Assim, por exemplo, o artigo 121 define o crime de homicídio (matar alguém) e estabelece a pena de reclusão de 06 a 20 anos. Se o homicídio for qualificado, a pena será de 12 a 30 anos de reclusão. E mais: o artigo 157 define o crime de roubo e, para o caso do roubo seguido de morte, a pena é de reclusão de 20 a 30 anos.
Ora, se hoje estamos nos divertindo com a pena de “capadura a macete” e nos indignamos com as penas de morte pela forca e com a discriminação sofrida pelas mulheres, não podemos ter dúvidas de que em alguns anos nossas penas atuais também serão objeto de riso e indignação. É assim mesmo. É a história! Um detalhe: a história não se faz sozinha ou apenas com leis. É o resultado das lutas das mulheres e dos homens
!

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