O AMOR E O DIREITO
Por Fabrício Cardoso O. Póvoa
Ignorado por Homero, Eros aparece pela primeira vez na Teogonia de Hesíodo, que o descreve como o mais belo dos imortais, capaz de subjugar corações e triunfar sobre o bom senso. Deus grego do amor, Eros encerrava, na mitologia primitiva, significado mais amplo e profundo. Ao fazê-lo filho do Caos, vazio original do universo, a tradição mais antiga apresentava-o como força ordenadora e unificadora. Assim ele aparece na versão de Hesíodo e em Empédocles, pensador pré-socrático. Seu poder unia os elementos para fazê-los passar do caos ao cosmos, ou seja, ao mundo organizado. Em tradições posteriores era filho de Afrodite e de Zeus, Hermes ou Ares, segundo as diferentes versões. Platão descreveu-o como filho de Poro (Expediente) e Pínia (Pobreza).
Seu irmão Ânteros, também filho de Afrodite, era o deus do amor mútuo e, às vezes, oponente e moderador de Eros. Artistas de várias épocas representaram com freqüência o episódio da relação de Eros com Psiqué, que simboliza a alma e constitui uma metáfora sobre a espiritualidade humana. Em Roma, Eros foi identificado como Cupido.
Inicialmente representavam-no como um jovem, às vezes alado, que feria os corações dos humanos com setas. Aos poucos, os artistas foram reduzindo sua idade até que, no período helenístico, a imagem de Eros é a representação de um menino, modelo que foi mantido no Renascimento.
Amor expressa conciliação, mediação, frente à segregação do universo, é o anseio do homem, como assevera Platão, por uma totalidade do ser, representando o processo de aperfeiçoamento do próprio eu. Segundo Sócrates, o amor é “um desejo de qualquer coisa que não se tem e que se deseja ter”.
No entendimento de Platão, o amor é a ânsia de ajudar o eu próprio autêntico a realizar-se. Tal realização se inicia na medida que a vontade humana tende para o bem e para o belo, ou seja, submete-se o corpo ao espírito e o ato de amar se desvincula de um determinado individuo ou coisa, ocupando-se com a pura contemplação do que é belo.
Ressalta-se que o amor em Platão deve ser interpretado a partir da premissa de que esse AMOR subjuga-se à razão.
Dessa forma, podemos constatar que o a sociedade contemporânea não convive em harmonia com a idéia do amor. Talvez isso se deva a circunstância de o amor ser, por excelência, um mistério e, por conseqüência, não se deixa compreender racionalmente.
O vácuo conceitual em torno do que seja o amor pode ocorrer das dificuldades de expressão do mesmo na sociedade contemporânea globalizada e capitalista da informação. O crescimento desregrado, desequilibrado e sem planejamento dos grandes centros urbanos gerou o fenômeno da multidão solitária, ou seja, as pessoas convivem lado a lado, mas suas relações são perfunctórias, dificilmente são prospectadas, sendo raro, nesse cenário, o encontro verdadeiro. Nota-se que o falar muito e o vender a idéia do sexo, torna-se uma estratégia de acobertamento da impessoalidade essencial das relações, o contato físico simula o encontro. As relações entre duas pessoas se acham empobrecidas. A banalização dos laços familiares arremessou brutalmente as pessoas num mundo onde elas contam apenas consigo mesmas.
Ademais, o trabalho na sociedade capitalista, animado pela competição e pelo individualismo, impõe um ritmo extenuante, e acaba por encarcerar a maior parte das pessoas em um trabalho alienado, rotineiro, de onde é impossível atender a algum desejo.
Já do ponto de vista da ciência política, o Amor decorre da democracia, vez que somente no Estado Democrático de Direito a idéia de amor pode prosperar, haja vista que a democracia em torno da coisa pública toma como espeque a idéia de igualdade, de justiça. É através do Amor e da Democracia que devemos construir o Estado Contemporâneo, onde a legitimidade do Direito não se apega mais na figura do Estado e das normas por ele produzidas, mas sim na Democracia, a qual tem no amor a expressão ideal do Direito.
É o desejo que nos impulsiona a agir, a procurar o prazer e a alegria, nos faz questionar o princípio cartesiano de que o homem é um "ser pensante", pois existe na medida em que pensa. Não seria ele sobretudo um "ser desejante"? Não seria o desejo aquilo que mobiliza o homem, e a razão o princípio organizador que hierarquiza os desejos e procura os meios para sua realização?
Nesse sentido, pensamos que o Amor, e o desejo que desse provém, se somam à razão, complementando um ao outro, vez que o agir humano não é fórmula singela constituída de departamentos estanques, mas ato fundamentalmente complexo. Se pudéssemos traçar as linhas gerais do agir humano, ainda que convictos da falibilidade de qualquer tentativa nesse sentido, diríamos que o agir humano é ato que se origina no desejo, se orienta pela razão e se destina a alcançar o objeto do desejo inicial. Dito em outras palavras, o ato humano tem como caminho a soma do desejo+razão+desejo.
Nesse sentido, pensamos que o Amor, e o desejo que desse provém, se somam à razão, complementando um ao outro, vez que o agir humano não é fórmula singela constituída de departamentos estanques, mas ato fundamentalmente complexo. Se pudéssemos traçar as linhas gerais do agir humano, ainda que convictos da falibilidade de qualquer tentativa nesse sentido, diríamos que o agir humano é ato que se origina no desejo, se orienta pela razão e se destina a alcançar o objeto do desejo inicial. Dito em outras palavras, o ato humano tem como caminho a soma do desejo+razão+desejo.
Resta ainda uma pergunta: qual o escopo do desejo? Diante desta indagação assevera Hegel: "Amar é estender o seu corpo em direção a um outro corpo; mas é também, mais fundamentalmente, exigir que esse corpo, que ele deseja, também se estenda; é desejar o desejo do outro". Vale dizer, a finalidade do desejo, entendido este como proveniente do amor, é o respeito à co-existência em sociedade.
O desejo pressupõe uma relação e o que se deseja sobretudo nesta relação é o reconhecimento do outro. O amante não deseja se apropriar de uma coisa, ele deseja, em verdade, capturar a consciência do outro.
Dessa forma, o Direito é Amor, na medida que tão quanto o Amor é constituído necessariamente por uma relação, uma relação jurídica, e nessa relação jurídica, o que o sujeito de direito (o amante) tem como pretensão (desejo) não é o objeto da relação, mas o reconhecimento da parte contrária (do outro), na medida que só por meio do (re)conhecer é que se poderá efetivamente se aproximar da conciliação, da mediação, da pacificação do interesses em conflito na relação. Qualquer outra solução que não tenha por fundamento o Amor será inevitavelmente uma solução artificial e deslegitimada.
O amor deve ser uma junção, com a condição de cada um preservar a sua própria identidade. Isso estabelece que, ao mesmo tempo, dois seres estejam unidos e permaneçam separados. Nota-se, assim, que sob a perspectiva do Amor o homem é tomado enquanto Sujeito de Direito e não enquanto Objeto do Direito, uma que é livre, consciente, senhor do seu agir.
O Amor é a proposta para transcender a si mesmo. Se a pessoa coloca-se no centro de si mesma, não será capaz de ser sensível ao apelo do outro. Verifica-se, então, que o Amor é também o respeito ao direito do outro. Vê-se, dessa maneira, que o amor é requisito indispensável para o homem em suas relações sociais.
O Amar na sua forma mais sublime requer, necessariamente, a descoberta do outro. Portanto, o amor envolve o respeito, não na sua expressão moralista que corriqueiramente se atribui a esse conceito, não como receio produzido pelo autoritarismo. Respeito, em latim, respicere, significa "olhar para", isto é, o respeito é capacidade de aceitar um indivíduo como ele é reconhecendo a identidade singular. Isso supõe a preocupação de que a outra pessoa esteja e permaneça como ela é, e não como queiramos que ela seja. O amor exige a liberdade, e não a escravização: o outro não deve ser servo, mas indivíduo. O amor pleno e maduro é livre e generoso, fundando-se na reciprocidade.
Contudo, o risco do amor é a separação. Embrenhar-se numa relação amorosa coloca para o amante a possibilidade da perda. Se assim é, podemos então asseverar que a separação é a experiência da morte (perda): é a vivência da "morte do outro" em minha consciência e a vivência de minha morte na consciência do outro. É inegavelmente doloroso conviver com a perda e/ou morte do desenvolvimento natural do amor, da vida. As dores causadas pelo “luto”, fruto da morte pelo outro, permeiam o curso de nossa existência. A dor da perda pode ser tão devassadora, que nem mesmo o Tempo, senhor da razão, pode reestruturar o legítimo Amor no coração do individuo.
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