O Mullá Nasrudin (Khawajah Nasr Al-Din) escreveu, no século XIV, histórias nas quais ele mesmo era o personagem. São episódios que ultrapassaram fronteiras, desde sua época, enraizando-se em culturas diversas. Nasrudin, ao aliar o bom humor à sabedoria, revelou-nos verdadeiras lições de vida, cada vez mais presentes em nosso cotidiano.
Certa feita, Nasrudin tentou convencer o Rei de que suas leis não eram capazes de transformar as pessoas e que a mudança de um indivíduo ocorre por meio de um processo interior doloroso. Tinha razão. Atualmente, no Brasil, a criminalidade violenta não decorre de leis mais severas ou leves, mas de uma multiplicidade de fatores, como educação, saúde, emprego etc. Esses bens, se os tivéssemos por si mesmos ainda não reduziriam o número de crimes, dependendo, em relação a cada indivíduo, de uma atitude interna positiva.
Continuando, segundo o mestre, as pessoas precisam, antes de tudo, procurar viver de maneira a encontrar sua própria realidade. Necessitam entrar em sintonia com sua verdade interior, a qual se assemelha levemente àquilo em que os homens acreditam. O Rei, contudo, não obstante a ponderação fundamentada do mullá decidiu que ele, Rei, poderia fazer com que as pessoas observassem a verdade, que possuía autoridade capaz de conduzi-las à autenticidade de suas palavras e atos.
O acesso à cidade real dava-se por uma ponte. Sobre ela, o Rei ordenou que fosse construída uma forca. Quando os portões foram abertos, na alvorada do dia seguinte, o Chefe da Guarda estava a postos, altivo e severo, em frente a um pelotão, para testar todos os que por ali transitassem. Um edital fora imediatamente fixado no lugar de costume, como hoje se faz nos fóruns:
“Todos serão interrogados!
Aquele que falar a verdade terá permitido seu ingresso na cidade.
Caso mentir, será enforcado!”
Quem passasse pelo local, ainda que sem ler o mandado com as alternativas vida ou morte, entraria na cidade ou seria enforcado, segundo a verdade ou a mentira que dissesse no interrogatório sobre sua qualificação e os motivos de sua estada na localidade. Aqui entre nós, Sua Majestade Real estava aplicando a responsabilidade penal objetiva, uma vez que o pseudomentiroso morreria ainda que não tivesse consciência da norma punitiva. Além disso, mesmo que a mentira fosse levíssima, incidiria a pena de morte, o que contraria o princípio da insignificância. Por fim, havia enorme desproporção entre a gravidade do fato, mentira de qualquer quilate, e a pena capital, infringindo o princípio da proporcionalidade entre o pecado ou delito e o castigo.
O real indivíduo, entretanto, não queria saber de nada: de seu modo, segundo interpretação autêntica da figura soberana, enforcando todos os mentirosos, no reino somente viveriam cidadãos honrados, incapazes de mentir. E isso, obedecendo à ordem real. Era Rei e ponto-final: disse e estava dito!
E não é que Nasrudin, entre alguns populares, lendo o édito, coçou a barbicha, deu um passo à frente e começou a cruzar a ponte!
- Onde o senhor pensa que vai? – perguntou o Chefe da Guarda.
- Estou a caminho da forca – respondeu Nasrudin, calmamente.
- Não acredito no que está dizendo! – observou a autoridade máxima do local.
- Muito bem, se eu estiver mentindo, pode me enforcar – prosseguiu o sábio.
- Mas, se o enforcarmos por mentir, faremos com que aquilo que disse seja verdade!
- Isso mesmo – disse Nasrudin, sentindo-se vitorioso.
Quando o sábio afirmou que estava a caminho da forca, mentiu, uma vez que nem tinha sido interrogado. Para ser enforcado, somente se tivesse mentido. A confusão instalou-se na cabeça do Chefe da Guarda.
- Meus amigos – exclamou o Mullá à multidão – agora vocês já sabem o que é a verdade: é apenas a sua verdade.
Nasrudin mostra-nos que a verdade, além de ser resultado de um processo íntimo e pessoal, não é única nem privilégio de um só homem. Questiona, sobretudo, seu caráter, tido como absoluto pelo Rei. O texto bem demonstra que a regra, quando ordenada a uma coletividade, só é por ela absorvida no momento em que cada indivíduo, em seu interior, concebe o que lhe é genuíno e, principalmente, acredita naquilo que considera adequado para si e seus semelhantes. É só a partir de então que cada pessoa, em um constante processo de aprendizado, que se estende ao longo da vida e, para alguns, além da vida, transforma-se em um ser melhor, modifica o meio social em que vive, harmonizando suas relações de afeto e de respeito ao próximo.
Não é a imposição dos nossos pensamentos, daquilo que intitulamos como certo, que modificará o ponto de vista ou até mesmo a vida de outra pessoa. Não temos esse poder. Nem o Rei de Nasrudin tinha. Aliás, sequer sabemos o que de fato pode ser considerado certo ou errado. Deus deu-nos o privilégio de sermos diferentes uns dos outros justamente para que vivenciemos sucessivas experiências na busca do bem comum. Possuímos uma espécie de bússola em nosso interior, segundo a qual nos norteamos, procurando nossa verdade.
Certa feita, Nasrudin tentou convencer o Rei de que suas leis não eram capazes de transformar as pessoas e que a mudança de um indivíduo ocorre por meio de um processo interior doloroso. Tinha razão. Atualmente, no Brasil, a criminalidade violenta não decorre de leis mais severas ou leves, mas de uma multiplicidade de fatores, como educação, saúde, emprego etc. Esses bens, se os tivéssemos por si mesmos ainda não reduziriam o número de crimes, dependendo, em relação a cada indivíduo, de uma atitude interna positiva.
Continuando, segundo o mestre, as pessoas precisam, antes de tudo, procurar viver de maneira a encontrar sua própria realidade. Necessitam entrar em sintonia com sua verdade interior, a qual se assemelha levemente àquilo em que os homens acreditam. O Rei, contudo, não obstante a ponderação fundamentada do mullá decidiu que ele, Rei, poderia fazer com que as pessoas observassem a verdade, que possuía autoridade capaz de conduzi-las à autenticidade de suas palavras e atos.
O acesso à cidade real dava-se por uma ponte. Sobre ela, o Rei ordenou que fosse construída uma forca. Quando os portões foram abertos, na alvorada do dia seguinte, o Chefe da Guarda estava a postos, altivo e severo, em frente a um pelotão, para testar todos os que por ali transitassem. Um edital fora imediatamente fixado no lugar de costume, como hoje se faz nos fóruns:
“Todos serão interrogados!
Aquele que falar a verdade terá permitido seu ingresso na cidade.
Caso mentir, será enforcado!”
Quem passasse pelo local, ainda que sem ler o mandado com as alternativas vida ou morte, entraria na cidade ou seria enforcado, segundo a verdade ou a mentira que dissesse no interrogatório sobre sua qualificação e os motivos de sua estada na localidade. Aqui entre nós, Sua Majestade Real estava aplicando a responsabilidade penal objetiva, uma vez que o pseudomentiroso morreria ainda que não tivesse consciência da norma punitiva. Além disso, mesmo que a mentira fosse levíssima, incidiria a pena de morte, o que contraria o princípio da insignificância. Por fim, havia enorme desproporção entre a gravidade do fato, mentira de qualquer quilate, e a pena capital, infringindo o princípio da proporcionalidade entre o pecado ou delito e o castigo.
O real indivíduo, entretanto, não queria saber de nada: de seu modo, segundo interpretação autêntica da figura soberana, enforcando todos os mentirosos, no reino somente viveriam cidadãos honrados, incapazes de mentir. E isso, obedecendo à ordem real. Era Rei e ponto-final: disse e estava dito!
E não é que Nasrudin, entre alguns populares, lendo o édito, coçou a barbicha, deu um passo à frente e começou a cruzar a ponte!
- Onde o senhor pensa que vai? – perguntou o Chefe da Guarda.
- Estou a caminho da forca – respondeu Nasrudin, calmamente.
- Não acredito no que está dizendo! – observou a autoridade máxima do local.
- Muito bem, se eu estiver mentindo, pode me enforcar – prosseguiu o sábio.
- Mas, se o enforcarmos por mentir, faremos com que aquilo que disse seja verdade!
- Isso mesmo – disse Nasrudin, sentindo-se vitorioso.
Quando o sábio afirmou que estava a caminho da forca, mentiu, uma vez que nem tinha sido interrogado. Para ser enforcado, somente se tivesse mentido. A confusão instalou-se na cabeça do Chefe da Guarda.
- Meus amigos – exclamou o Mullá à multidão – agora vocês já sabem o que é a verdade: é apenas a sua verdade.
Nasrudin mostra-nos que a verdade, além de ser resultado de um processo íntimo e pessoal, não é única nem privilégio de um só homem. Questiona, sobretudo, seu caráter, tido como absoluto pelo Rei. O texto bem demonstra que a regra, quando ordenada a uma coletividade, só é por ela absorvida no momento em que cada indivíduo, em seu interior, concebe o que lhe é genuíno e, principalmente, acredita naquilo que considera adequado para si e seus semelhantes. É só a partir de então que cada pessoa, em um constante processo de aprendizado, que se estende ao longo da vida e, para alguns, além da vida, transforma-se em um ser melhor, modifica o meio social em que vive, harmonizando suas relações de afeto e de respeito ao próximo.
Não é a imposição dos nossos pensamentos, daquilo que intitulamos como certo, que modificará o ponto de vista ou até mesmo a vida de outra pessoa. Não temos esse poder. Nem o Rei de Nasrudin tinha. Aliás, sequer sabemos o que de fato pode ser considerado certo ou errado. Deus deu-nos o privilégio de sermos diferentes uns dos outros justamente para que vivenciemos sucessivas experiências na busca do bem comum. Possuímos uma espécie de bússola em nosso interior, segundo a qual nos norteamos, procurando nossa verdade.
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